Vamos polemizar: está todo mundo cancelado?
“Cancelar” vem do latim e significa suspender, invalidar ou interromper algo já combinado ou conhecido. É comum ouvir “vamos cancelar aquela festa”, “vamos cancelar aquele contrato”... No entanto, hoje, também é possível cancelar pessoas, a famosa “cultura do cancelamento”.
Figuras públicas (artistas, jornalistas, políticos, entre outros) que se posicionam de maneira equivocada publicamente e reproduzem questões machistas, racistas, LGBTfóbicas e outras são boicotadas automaticamente. Como as redes sociais reagem às atitudes dos participantes da vigésima edição do Big Brother Brasil é um bom termômetro de como funciona essa cultura. Está todo mundo cancelado! Até o repórter da TV Globo que se fantasiou de fiscal de cancelamento no Carnaval 2020, viralizou e foi cancelado em seguida.
O Vamos Polemizar? de hoje traz reflexões sobre a eficiência e a banalização dessa cultura, além das implicações de se cancelar alguém.
Mas, como surgiu a cultura do cancelamento?
Estamos em um momento no qual já não se suporta mais atitudes preconceituosas tanto no mundo físico como no virtual e pessoas públicas são cobradas por seus atos e posicionamentos. Em 2017, o Movimento #MeToo, que incentivou mulheres a denunciarem o assédio sexual cometido por homens poderosos no mundo do cinema, ganhou força e se espalhou rapidamente, cancelando nomes poderosos.
Ao propor um importante debate sobre essas questões tão urgentes, a “cultura do cancelamento” ganhou notoriedade a ponto de ser eleita a expressão do ano em 2019 pelo Dicionário Macquarie por moldar o comportamento humano. E celebridades seguiram sendo boicotadas: o ator Kevin Spacey por vários crimes sexuais e o cineasta James Gunn por publicações sexistas nas redes sociais e a cantora Halsey por racismo.
Aqui no Brasil, William Waack teve vídeo racista vazado enquanto estava sentado na bancada do Jornal da Globo, provocando reações como a engajada campanha #écoisadepreto e sua demissão da TV Globo no final de 2017. Já os cantores Nego do Borel e MC Gui foram cancelados por episódios de transfobia e bullying com uma menina que tem câncer, respectivamente. Ambos perderam patrocínios, shows e contratos.
Banalização do termo
A “cultura do cancelamento” viralizou tanto que se tornou banal em alguns momentos. Todos os participantes do BBB 20, por exemplo, já foram cancelados por questões relevantes ou não, exceto a Thelma que nunca errou. Se dependesse do Twitter, a direção do Brother Brasil 20, que voltou a estar em evidência este ano pela inédita participação de famosos, teria de convocar novos participantes ao longo da temporada a cada novo cancelamento.
De cara, houve uma separação no reality: sensatos de um lado e cancelados do outro, tanto que todos os homens que tiveram atitudes misóginas e sexistas, com exceção do Felipe Prior, foram eliminados nas primeiras semanas. No entanto, com o tempo as “fadas sensatas” também reproduziram questões racistas e até machistas, sendo canceladas e perdendo seguidores nas redes sociais.
Marcela Mc Gowan chegou a alcançar quatro milhões de seguidores, mas perdeu mais de 500 mil após falas controversas relacionadas ao namorado Daniel Lenhardt, que possui alta rejeição do público. Já Bianca Boca Rosa, que entrou na casa sendo a mais seguida nas redes, também foi cancelada e perdeu seguidores após não se posicionar (ou “passar pano”) contra atitudes do grupo de homens machistas da casa.
No entanto, o caso de Bianca serve para mostrar que nem sempre o cancelamento virtual também se estende ao mundo fora das telas. Segundo a influencer, a venda dos seus produtos de beleza aumentou três vezes durante o programa devido ao ótimo marketing criado por ela, que usava seus próprios produtos dentro da casa.
Há casos ainda de cancelamentos cancelados. Eu explico: Felipe Prior, que fazia parte do grupo dos machistas, já é considerado como favorito para muitos como aponta pesquisa realizada pelo Jornal Extra.
E quando é eficaz?
A “cultura do cancelamento” mostra que temas como o feminismo e o combate ao racismo estão mais difundidos e é eficaz quando propõe debates e reavaliações sobre essas questões. É preciso que exista conversa e escuta, afinal o diálogo é uma peça chave em qualquer democracia. Mas, é claro, sem “passar pano” em atitudes machistas, racistas, LGTBfóbicas, entre outras, que aliás podem ser enquadradas como crimes.
Para a cantora Duda Beat, que foi criticada por postar uma foto no Memorial do Holocausto com trecho de uma música do Sandy & Junior, "o cancelamento na internet é algo que precisamos falar, porque as pessoas criticam os regimes ditatoriais, mas cancelar alguém sem dar o direito a falar é uma forma de ditadura”.
Já para colunista da revista Marie Claire e feminista negra, Stephanie Ribeiro, em entrevista ao site Nexo, é preciso levar em conta questões como o contexto em que a pessoa cancelada está inserida. No BBB, Babu Santana, ator negro e periférico de 40 anos, recebe críticas a partir de uma ótica branca e de classe média/alta, o que não é justo e saudável, pois assim não há possibilidade de mudança de comportamento, não sendo interessante para nós como sociedade.
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