Qual é o cheiro da sua vagina?
A pergunta título desse Taburóloga pode parecer aleatória e grosseira. Mas, você já parou para pensar nisso, seriamente? Aposto que para muitas mulheres cis, a primeira coisa que vêm à cabeça é um cheiro desagradável. Peixe estragado, ovo podre... Lá se vão as metáforas com comidas fora da validade. Mas a verdade é que a vagina tem vários cheiros. Alguns podem ser mais desagradáveis para o nariz, porém, na maioria das vezes, ela possuí só cheiro de vagina mesmo. Sem mais, nem menos.
Crescendo em um corpo designado feminino, rapidamente fui ensinada a odiar tudo o que crescia e existia em mim. Pelos, odores, formatos, gorduras. E, claro, isso vai até nossa vagina. Que, só para começar, se chama vulva. Vagina seria a parte interior, que passam os bebês e entram os pênis, vibradores, dedos, o que você quiser. Vulva é o que vemos, nossos lábios e buracos. Já falamos sobre isso em um outro Taburóloga sobre "Lapioplastia e o mito da vulva vulgar".
Durante minha pré-adolescência, uma das coisas que ouvia muito era a importância de deixar a vulva limpa, principalmente depois que menstruei aos 11 anos. De um dia para o outro, fui bombardeada por sabonetes íntimos, absorventes noturnos, absorventes diários, desodorantes íntimos... Tudo o que você possa imaginar. Com isso, foi-se formando uma ideia na minha cabeça de que vagina deveria cheirar a rosas. Se não, por que estávamos passando produtos químicos com essa finalidade?
Mas a minha, obviamente, não cheirava a rosas. Ela tinha (e tem) o cheiro dela e eu comecei a encará-lo como negativo. Assim como corrimentos e sangue menstrual. Quando tinha uns 13 anos, adotei o hábito de trocar de calcinha três vezes por dia, sem estar menstruada, porque me sentia suja. Mas suja de quê?
O mito do sabonete íntimo
Quase toda mulher já usou um sabonete íntimo para limpar bem sua região. De diversos cheiros, finalidades, marcas. Alguns, inclusive, prometem um efeito refrescante, mas que só me deixaram ardendo por minutos. E o problema do sabonete é que, muitas vezes, eles não são adequados para nossa vulva. Mesmo os íntimos, mesmo os femininos, mesmo os com embalagem rosa. Chocante, né?
A região íntima feminina possuí um pH mais neutro, variando entre 4 e 5. O excesso de sabonetes pode deixar a região mais ácida, eliminando suas bactérias. E, nesse caso, a eliminação de bactérias não é algo interessante. A vulva e vagina possuem seu próprio bioma de bactérias e são elas que nos ajudam a prevenir infecções, doenças e alergias. Sem elas, estamos mais vulneráveis a diversos problemas.
Isso quer dizer que você não pode passar nenhum sabonete? Não, isso significa que, se isso for essencial para você, prefira os produtos básicos, que não prejudiquem tanto o bioma vaginal. O objetivo do texto não é ditar regras ou padrões - isso a indústria de cosméticos já faz muito bem. Queremos só pensar sobre isso.
“A indústria cosmética se alimenta de insatisfações com o corpo para venderem soluções milagrosas, como sabonetes íntimos, perfumes vaginais, coisas que não têm a menor evidência científica de que fazem bem” Luiza Cadioli, médica durante entrevista para Marie Claire.
Por que somos ensinadas a mascarar nosso cheiro natural? Por que usamos sabonetes que desequilibram o pH vaginal, absorventes diários que abafam a região, desodorantes e perfumes que irritam e provocam alergias? Enquanto isso, te pergunto, já viu na farmácia algum sabonete íntimo masculino? Você acha que a pressão para ter um pênis cheiroso é a mesma do que para se ter uma vulva com cheiro de rosas? Os homens que se esforçam mais podem passar uma água antes do sexo e pronto. A mulher irá se depilar, passar sabonete, usar absorvente com cheiro - para ficar bem cheirosa o tempo todo. E pra quê?
Afinal, como lavar sua vulva?
Já falamos que sabonetes íntimos podem fazer um mal danado para região. Ok, mas e aí? Como lavar nossa vulva? Para começar, é preciso entender que a vagina em si, o canal, é autolimpante - por isso produzimos algumas secreções e corrimentos. Já a vulva (nossos lábios, uretra e entrada do canal vaginal) não se limpa sozinha.
Para lavá-la, devemos passar água. E isso, por incrível que pareça, é o recomendado por uma grande gama de ginecologistas. Não há nenhuma comprovação de que a vulva, estando saudável, necessite de uma limpeza mais aprofundada. Como já mencionamos, para as mulheres que não conseguem abrir mão do sabonete, é possível utilizar produtos básicos, em pouca quantidade. Bem suaves e menos agressivos.
Já a região entre os pequenos e grandes lábios é uma que, dependendo da anatomia de sua vulva, pode produzir sebo em excesso. Nesse caso, é válido utilizar o sabonete também. Mas, de verdade, de forma geral, água dá conta.
Benefícios do corrimento
Associamos corrimento a mal cheiro e problemas. Mas, permitir que sua vagina fabrique os resíduos que precisa e conhecê-los é uma forma importantíssima de manter sua saúde.
O corrimento não é o mesmo sempre, ele varia de acordo com período do ciclo menstrual e situações específicas. Então, por exemplo, em uma vagina saudável, ele tende a aparecer mais quando se está perto do período fértil e em momentos de excitação, para deixar a área lubrificada. Sua consistência é semelhante à clara de ovo e sua cor mais esbranquiçada. Pode ser mais pegajoso ou seco, dependendo do momento.
Isso é o geral. Cada mulher irá observar seu próprio funcionamento e entender melhor seus cheiros, tons e textura de seu corrimento. A partir do momento que nos focamos só em limpar a vulva, perdemos o contato com mecanismos naturais do nosso corpo. E isso é muito ruim e perigoso.
Além de evidenciar o período do ciclo que a mulher está ou se ela está excitada ou não, é por meio do corrimento que observamos sinais de doenças, infecções e outras coisas fora do normal. Por isso, precisamos saber nosso cheiro natural para entendermos quando algo está desequilibrado e provocando, de fato, um mal cheiro na vulva. Precisamos entender o que é cheiro da vulva e o que é apenas odor natural da virilha - que assim como a axila, pode ter um cheiro mais acentuado se ficar abafada por muito tempo.
Ao saber a cor do corrimento e sua textura, percebemos se estamos produzindo em mais quantidade, se está ainda mais pegajoso ou em tons esverdeados e amarelados. Todos esses são sinais de que se deve procurar um médico. Portanto, a sociedade, ao nos impedir de descobrir e viver nossa vulva e vagina da forma que é, também nos tira o direito de nos cuidarmos e preservamos nossa saúde íntima.
E nem preciso dizer que já deu disso, né?
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Já pensou como a vida seria muito mais simples se a gente falasse mais sobre alguns tabus? Esse é um dos objetivos da categoria “Taburóloga”, que conta com textos quinzenais!
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