Mana do Mês de novembro: Zezé Motta | Parte 1
A categoria Mana do Mês, que homenageia mulheres icônicas, celebra a negritude brasileira e internacional ao longo do ano - já passaram por aqui Glória Maria, Elza Soares e Beyoncé. E não poderia ser diferente no mês de novembro, quando se celebra a Consciência Negra e a luta de Zumbis, Dandaras e Marielles. Para isso, escolhemos uma mulher que colocou em pauta a diversidade racial muito antes de a gente discutir o tema como sociedade, a atriz e cantora Zezé Motta.
Filha de uma costureira e um motorista, Maria José Motta de Oliveira, a nossa Zezé, nasceu em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, mas se mudou para a capital ainda criança com a sua família. Dona de um talento imenso, seria descoberta a nível nacional e internacional em 1976, no filme “Xica da Silva”, no qual interpretou a personagem principal.
Mas a sua carreira profissional como atriz começou uma década antes, em 1967, após frequentar o curso do Teatro Tablado. Nesse ano, ela participou da histórica peça “Roda Viva”, de Chico Buarque, sob a direção de José Celso Martinez. Ao longo de sua carreira, participou de outras, como “Fígaro Fígaro”, “Arena conta Zumbi”, “A vida escrachada de Joana Martine e Baby Stompanato”, “Orfeu Negro” e “Godspell”.
Já na televisão e no cinema, acumula cerca de 90 personagens ao longo dos mais de 50 anos de carreira. Zezé desafia o racismo estrutural e, nos últimos anos, o pensamento de que mulher tem prazo de validade no entretenimento. Na série 3%, seu trabalho mais recente, Zezé reafirmou sua potência que transcende o espaço físico e digital. É referência nas telonas de cinema, nas telinhas da TV, em cima dos palcos e também no streaming.
Reconhecimento nacional e internacional
Na sua primeira década de atuação, Zezé fez participações no cinema e em novelas da TV Tupi e TV Globo, mas o reconhecimento chegou com o longa “Xica da Silva”. Baseado no livro homônimo de João Felício dos Santos, o filme foi dirigido por Cacá Diegues e levou Zezé para o grande público brasileiro e festivais internacionais em 1976.
O filme rendeu vários prêmios de Melhor Atriz, como o do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o Troféu Coruja de Ouro, o Prêmio Air France de Cinema e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo.
O sucesso foi tão grande que a história virou novela 20 anos depois. Até hoje, a produção da extinta Rede Manchete é considerada um dos maiores clássicos do audiovisual brasileiro, tendo sido exportada para dezenas de países ao redor do mundo. Zezé também foi convidada para participar e, dessa vez, atuou como Maria da Silva, a mãe de Xica da Silva, interpretada pela atriz Taís Araújo.
Zezé já participou também de produções da TV portuguesa. Em 2000, deu vida a Rosa Maria Lima, na minissérie “Almeida Garret”. Já em 2017, foi a Neném da novela “Ouro Verde”. Aqui no Brasil se destacou em produções como “Transas e Caretas” (1984), “Mãe de Santo” (1990), “O Outro Lado do Paraíso” (2015), dentre outras.
Carreira musical
Zezé é mais reconhecida pela sua trajetória como atriz, seja na TV, no cinema ou no teatro. No entanto, a artista tem uma expressiva e sólida carreira musical, sendo uma das principais intérpretes do nosso país. Até o momento, são 14 projetos discográficos lançados e shows realizados pelo Brasil e pelo mundo.
Ela começou a cantar em 1971 ao atuar como crooner na noite paulistana, mas o seu debut discográfico oficial aconteceu em 1975, em um álbum gravado em parceria com Gerson Conrad. Em seguida, três anos depois, lançou o primeiro disco solo com o seu próprio nome. “Zezé Motta” revelou canções emblemáticas, como “Trocando em Miúdos” (Chico Buarque e Francis Hime), “Magrelinha” (Luís Melodia) e “Crioula” (Moraes Moreira).
Seu mais recente álbum é o disco “O Samba Mandou Me Chamar”, divulgado em 2018, no qual reflete o seu amor pelo gênero. É o primeiro disco inteiramente dedicado ao samba da artista e traz parcerias com Xande de Pilares e Arlindo Cruz, além dos singles “Missão” e "Batuque de Angola" como destaques. Também apresenta a regravação de “Mais um na Multidão”, música lançada originalmente por Erasmo Carlos e Marisa Monte em 2001.
Contribuição à sociedade
Zezé sempre foi uma mulher a frente do seu tempo. Ainda que não se falasse de representatividade nas décadas de 1970 e 80, ela entendia o seu papel social e pautava a negritude na mídia. Sempre usou a sua voz e o seu talento para apoiar mais atores pretos na televisão, além de ter a coragem de recusar personagens estereotipados. Em entrevista ao site Alma Preta, ela relembrou as barreiras colocadas no início da carreira quando só era chamada para papéis secundários.
“Uma das piores coisas é que eram personagens sem pai, sem mãe, sem marido, sem filho, em que a casa era a da patroa, não tinham sequer roupa de passeio. Eu não queria ser só isso. Enfim, só posso agradecer por viver da arte há mais de 50 anos”
E a sua contribuição na luta contra o racismo vai além da sua arte. Junto a outros artistas e intelectuais, lançou o Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro - Cidan, em 1987, o qual é presidente de honra. O projeto tem o objetivo de inserir artistas negros no mercado já que os autores e diretores alegavam não conhecer artistas com esse perfil, uma vez que os autores, diretores, entre outros alegavam não conhecer.
Além disso, Zezé rompe estigmas sobre o corpo da mulher preta ao falar abertamente disso. A artista, que já posou nua em diversos momentos, inclusive, após os 70 anos, ainda quebra tabus. Em palestra recente no Universa Talks, Zezé falou abertamente sobre corpo, menopausa, autoestima, envelhecimento e seguir “namoradeira”.
Os mais de 40 personagens na televisão e 50 no cinema, além dos 14 discos lançados são só alguns números que traduzem o talento de Zezé. Talento tão grande que foi capaz de romper barreiras e chegar longe, literal e metaforicamente. Atriz, cantora, militante e tudo o que ela se dispõe a fazer, Zezé Motta merece ser reverenciada diariamente por existir.
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“Mana do mês” é a personalidade feminina influente escolhida para ser homenageada pelo Telas. Todo mês uma mulher importante e relevante é selecionada para contarmos sua história e legado.
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