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Foto do escritorLuísa Silveira

'Eu nunca...' da Netflix tem representatividade, clichês e muita emoção

O trailer da mais nova produção da Netflix, 'Eu nunca...' já mostra o potencial da série, que estreou na última segunda-feira, 27. De primeira, somos apresentados a Devi Vishwakumar (Maitreyi Ramakrishnan), uma jovem de origem indiana, que está começando o segundo ano do seu Ensino Médio.


Logo no começo do primeiro episódio, Devi está orando para seus deuses, pedindo que a escola seja um pouco melhor. Para isso, ela quer um namorado. E é direta ao ponto: quer um garoto bem bonito, algum dos atletas. E ele pode ser burro, tudo bem para ela. E só com esse início já dá pra entender o ritmo da série: tratar de questões cotidianas adolescentes, com muita honestidade e bom humor.


Devi Vishwakumar é a típica adolescente americana, só que com fortes origens indianas | Foto: Divulgação

Basicamente, Devi teve um ano horrível. Além da perda súbita de seu pai - sua pessoa preferida no mundo -, a jovem teve que lidar com uma paralisia temporária, efeito do estresse vivido. Agora com isso no passado, o que Devi mais quer é ter mais amigos e perder a virgindade. E para isso, ela já tem uma pessoa em mente, Paxton Hall-Yoshida (Darren Barnet), o garoto mais popular da escola.


'Eu nunca...' tem nomes de peso em sua criação. Por exemplo, Mindy Kaling de The Office, que buscou trazer sua própria vivência como adolescente indiana nos Estados Unidos, e Lang Fisher, responsável por trabalhos incríveis como Brooklyn Nine-Nine.


O trio de Devi


Para sobreviver aos dramas do Ensino Médio, claro, Devi conta com suas fiéis escudeiras. Suas amigas, tão excluídas quanto ela, Fabiola (Lee Rodriguez) e Eleanor (Ramona Young). Juntas, elas formam o grupo "carinhosamente" apelidado de UN pelos colegas de classe. UN pode significar ONU, fazendo referência as diferentes raças das amigas - além de Devi ser indiana, Fabiola é negra e Eleanor asiática. Porém, logo, elas descobrem que UN significa também Unfuckable Nerds - em tradução livre, nerds que ninguém quer transar. Ah, a elegância do Ensino Médio!


Esse é um dos pontos principais, inclusive, que faz Devi ter coragem de se movimentar para perder finalmente a virgindade... Mas isso já começa a ser spoiler. O que quero falar aqui é a importância da representatividade que temos nas três, além de podermos conhecer personagens complexas, com histórias próprias. Eleanor e Fabiola estão longe de serem aquelas amigas coadjuvantes, que estão lá para apoiar a personagem principal apenas.


Devi em seu trio. Dá muita vontade de ser amiga delas! | Foto: Divulgação

Fabiola está lidando com a recém descoberta homossexualidade, aflorada com a chegada de Eve (Christina Kartchner), uma aluna nova, abertamente da comunidade LGBTQI+. Além disso, assim como Devi, ela vive sob a pressão de seguir as grandes expectativas dos pais. Para Fabiola, ser gay seria uma das maiores decepções possíveis para a família.


Eleanor também não tem uma relação familiar fácil. A jovem tem que lidar com o constante abandono de sua mãe - uma atriz amadora, que vive viajando atrás de seu sonho. A própria personagem puxou o lado artístico da mãe e também deseja ser atriz. Esse também é um ponto interessante da série: os diferentes gostos das amigas. Eleanor é das artes e extravagante. Fabiola é destaque no time da robótica da escola e prefere vestimentas bem simples.


Já Devi, parece um meio termo de certa forma entre as duas. Extremamente inteligente, é divertida e colorida - muito pela sua herança indiana. E nessa mistura complexa, as amigas se entendem e se completam de uma maneira muito real e natural.



Personagens redondos e complexos


Como já disse, a série apresenta personagens extremamente redondos e complexos. Mas isso vai além do núcleo de amizades de Devi. Por exemplo, sua família traz adições incríveis para a série. Ao acompanharmos mais de perto a dinâmica desse lar, podemos conhecer Nalini (Poorna Jagannathan), a mãe da principal e sua prima, Kamala (Richa Moorjani).


Sua mãe é uma típica indiana tradicional, muito religiosa e rigorosa. Mas, ao longo da série, vemos que sua necessidade de controlar tudo e parecer forte é só uma fachada, já que no fundo, é uma viúva tentando processar seu luto. Já Kamala, que à primeira vista é a menina comportada e perfeita, esconde segredos e preferências, mostrando sua personalidade forte e independente.


Devi e sua família estão passando por várias mudanças | Foto: Divulgação

Além disso, Ben (Jaren Lewison), o arqui-inimigo de Devi é um personagem bem interessante. Pensamos que se trata de um riquinho esnobe, que deseja tirar nota máxima em tudo. Mas, logo vemos que ele é muito mais que isso. Além de ajudar Devi em vários momentos, entendemos que sua relação com seus pais é complexa - tudo o que ele ganha, em forma de presentes, acaba sendo para recompensar a ausência familiar na casa, já que Ben está longe de ser a prioridade dos pais.


O próprio Paxton, amor platônico de Devi, também não é apenas um rostinho (e corpinho) bonito. O garoto não é o típico bully de high school e está disposto a conhecer melhor Devi. Além disso, tem algumas questões familiares que tornam o personagem bem intrigante. Porém, é bom salientar que algumas pessoas ficaram decepcionadas com a escalação de Darren para o papel. Não se sabe a idade do ator ainda (sério, pesquisei em vários lugares), mas boatos que ele tem 29 anos, interpretando um garoto de 18. Sendo mais velho ou não, de fato, Darren não convence como adolescente.


Até a psicologa de Devi - que entrou em sua vida após a morte de seu pai - é super divertida. E ela nos ajuda a enxergar alguns mecanismos que a menina tem para não lidar com o trauma. Um deles é sua obsessão com Paxton e em perder a virgindade. Esses assuntos tomam conta das sessões de terapia, dificultando a chegada em temas como o luto e a ansiedade que ela sente.


Romance adolescente


É inegável que 'Eu nunca...' trata-se de um clichêzão adolescente. Mas, como já até falamos aqui no blog, isso não significa mesmo falta de qualidade da produção. A série acaba indo muito além, mostrando questões bem profundas de cada personagem, de forma original e honesta.


Como falei, Paxton acaba sendo uma grande válvula de escape de Devi de sua vida real. Mas a relação dos dois, apesar de mais superficial do que ela deseja, é bem interessante e com muitos níveis. Desde o começo Devi se interessa por ele pela aparência e deixa isso claro. Ele é gostoso, mas está longe de ser tão inteligente quanto ela. E, no decorrer da série, vemos que isso incomoda Paxton de certa forma. Estaria ele intimidado pela capacidade intelectual da menina?


Paxton é o super crush de Devi (e de toda escola) | Foto: Divulgação

Devi, na verdade, só é uma adolescente confusa e triste, apesar de evitar ao máximo aceitar isso. Então, é muito fácil de se identificar com a personagem. "Se eu tivesse 17 anos", pensei enquanto assistia a série, "provavelmente me sentiria assim também". E é isso que a série faz de melhor, te coloca no lugar dela - seja nas suas relações amorosas ou com a família e amigos. Não me entenda mal, muitas vezes discordamos de Devi, mas nunca deixamos de entender a confusão que está passando em sua cabeça, enquanto tenta achar seu lugar na escola, na família e na vida como um todo.


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