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Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha: Como é a vida da mulher preta?

Por Jéssica Riquena e Luísa Silveira


Hoje é celebrado o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data, que surgiu em 1992 durante um encontro de mulheres pretas na República Dominicana, é um passo da busca pelo reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) na luta contra o racismo e o machismo.


No Brasil essa data ganhou mais um significado especial. Isso porque em 2014, por meio da Lei n° 12.987, foi criado o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Mulher Negra. Tereza foi uma líder quilombola que, após a morte do seu marido, se tornou rainha do Quilombo do Quariterê e realizou diversas mudanças que trouxeram melhorias para a população quilombola que ali habitava.


Tereza Benguela | Foto: Reprodução

Em comemoração à data, dedicamos o taburóloga desta semana para falar sobre um dos maiores tabus que existem na sociedade: as relações de gênero e raça. Essa discussão é indispensável para o desenvolvimento de uma sociedade, entretanto, um assunto que uma parcela da sociedade – a parcela branca – tende a ignorar, a não dar visibilidade, a chamar de “mimimi”.


É necessário falar sobre racismo e, mais do que isso, é necessário tirar o estigma de que somente as pessoas pretas podem estudar, entender e acabar com o racismo. É o oposto disso. Quanto mais pessoas brancas se posicionarem e agirem como antirracistas, menos atitudes racistas serão vistas.


O corpo preto na sociedade


Um dos sinais mais sintomáticos do racismo, e talvez mais “naturalizado”, se trata da interpretação do corpo preto. Ora os pretos são excluídos, invisibilizados e ignorados, ora são representados de maneira equivocada, extremamente sexualizada ou até mesmo com um caráter “exótico”.


Esse comportamento pode ajudar a explicar diversas coisas, como o fato das mulheres pretas serem as maiores vítimas de estupro no Brasil. Dados da Rede de Observatórios da Segurança apontam que 73% dos casos de violência sexual no país em 2017 foram cometidos com mulheres pretas. Ao passo que o crime é algo que aterroriza todas as mulheres, é inegável que o corpo não branco, muitas vezes, é entendido com uma sensualidade nata. A mulher preta é a que tem o corpo curvilíneo, que samba e seduz os homens - dessa forma, resta a elas ou a hipersexualização ou a exclusão.


Isso foi sentido desde cedo por Mariah Dantas, atriz e destaque no carnaval da Unidos da Tijuca. “Enquanto mulheres brancas são vistas como o sexo frágil, esse nunca foi o lugar da mulher preta. Já passei por situações bem desagradáveis, traumatizantes que me colocavam em um lugar de objetificação do meu corpo que até hoje me dói muito”, afirma.



Por outro lado, a atriz também lembra de muitos momentos na infância e na adolescência em que não se sentiu pertencente ao grupo, seja na escola ou em cursos, uma vez que cresceu em um ambiente majoritariamente branco.


“Brincadeiras bobas como ‘Eu nunca’, ‘Mato, como ou caso’ e ‘Verdade ou consequência’ pras mulheres pretas podem ser uma verdadeira tortura. Tive muitos problemas na adolescência que refletem até hoje. Se meninas brancas se sentem objetificada pelos homens, na época eu era invisível”, relembra a jovem.

Dessa forma, crescer como uma mulher preta é uma eterna batalha para ser vista e, quando vista, respeitada como indivíduo. Os pardos e pretos tendem a estarem em posições socialmente entendidas como de “menos prestígios”, como funcionário ou servidor dos demais brancos. Um preto que ultrapassa esse limite assusta e até mesmo confunde algumas noções, mesmo daqueles brancos que juram não serem racistas.


“É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra”, diz propaganda da Devassa do início dos anos 2000.

Para além da sexualização, é fácil perceber que o corpo preto é o maior alvo de violências - seja pelo Estado ou pela sociedade. Por exemplo, de 2003 para 2013, o feminicídio de mulheres brancas caiu consideravelmente - podendo ser um avanço causado pela Lei Maria da Penha. Porém, as mulheres pretas estavam morrendo mais, passando de 1.864 casos para 2.875 no mesmo período, de acordo com o Mapa da Violência.


Portanto, o que acontece para que as políticas públicas, voltados para conscientização sobre violência de gênero, não sejam perpetuadas a ponto de protegerem, também, as mulheres pretas?


Racismo no mercado de trabalho


Uma das maiores lutas do feminismo em meados do século XX se referia a inserção da mulher no mercado de trabalho. Elas queriam seguir profissões e não serem limitadas ao lar, tendo sempre que servir ao homem. Porém, quando falamos de feminismo preto, a questão é mais embaixo.


Para milhões de mulheres pretas, a entrada no universo do trabalho não se deu de forma consciente, mas sim, por meio da escravidão que perseguiu, torturou e matou tantos pretos por centenas de anos. A mulher preta, portanto, busca ser reconhecida como profissional e deseja salários decentes. A luta por ser mais do que uma “simples dona de casa” em nada dialoga com as mulheres pretas, que desde sempre chefiam famílias e saem para trabalhar por horas e horas.


Isso evidencia uma outra questão, também muito mencionada pelas feministas brancas: a disparidade salarial. Enquanto mulheres brancas desejam ganhar tanto quanto um homem que tenha o mesmo cargo e formação, os pretos - independente do gênero - estão em busca de melhores condições de trabalho e salários mais dignos, já que tanto o homem quanto a mulher preta estão na base da pirâmide salarial. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo que a mulher branca olha para cima, comparando seu salário ao de um homem branco, deve entender que ela própria está acima de muitas outras pessoas, nesse quesito.


E isso, claro, pode ser comprovado em dados. Uma pesquisa do IBGE de 2018 mostrou que os brancos ganham 75% a mais do que trabalhadores pretos e pardos! Muitos ainda tentam explicar de maneira superficial, dizendo que brancos são advogados, médicos, engenheiros, enquanto os pretos têm profissões mais modestas, que consequentemente ganham menos. Porém, isso é mais uma evidência da exclusão dos pretos do mercado de trabalho, de oportunidades justas e, até mesmo, de acesso à educação de qualidade.


Mariah, como atriz, logo percebeu também que ser preta poderia fazer com que sua jornada profissional fosse ainda mais difícil. “Acham que a gente só pode fazer papéis estereotipados e que tenham na descrição: atriz negra. Minha maior luta agora é conseguir fazer um papel que há anos tenha sido preenchido por uma atriz branca. Nos musicais, como é uma linha de teatro muito elitista, porque pra você entrar no mercado tem que ter domínio de três artes - dança, teatro e canto - é muito pior, porque requer tempo e dinheiro. Você tem que saber e estudar três vezes mais que a atriz branca”, diz a atriz que recentemente publicou um vídeo em seu IGTV interpretando a canção “Segredos”, do musical “A Família Addams” que, historicamente, escala atores brancos para os papéis.



Qual o papel do empreendedorismo preto?


Em 2019, dados pesquisados na segunda edição do “Estudo do Empreendedorismo Negro do Brasil” – feito pelo PretaHub em parceria com o Plano CDE e a JP Morgan – revelaram que a falta de oportunidades de trabalho para pessoas pretas é um dos principais motivos para o aumento do empreendedorismo liderados por homens e mulheres pretas.


No mesmo ano, o Instituto Locomotiva divulgou a estudo “A Voz e a Vez - Diversidade no Mercado de Consumo e Empreendedorismo” que constatou que mais de 14 milhões de empreendedores no Brasil se declararam pardos ou pretos. Com isso, podemos perceber que o sistema racista, ainda presente na nossa sociedade, nega oportunidades para a população preta - que acaba tendo que recorrer a empreitadas independentes.


A pesquisa feita pelo PretaHub entrevistou 918 empreendedores pretos entre 18 e 70 anos. Os dados mostraram que, dos entrevistados, 35% empreendem por vocação, 34% por necessidade, 22% por engajamento (desejo de empreender) e 9% mostraram resultados mistos.


Quando levantada as respostas das pessoas que começaram a empreender por necessidade, 46% deste grupo começaram seus negócio devido a falta de oportunidade de emprego na área em que trabalhavam. E, mesmo após essa decisão, ainda é possível encontrar diversas barreiras como dificuldade ao acesso à crédito e falta de uma estrutura de gestão e planejamento, por exemplo.


Janine Rodrigues posa com seu primeiro livro "No Reino de Pirapora" | Foto: Reprodução

Para entender um pouco mais sobre essa realidade, conversamos com a escritora e educadora Janine Rodrigues. Fundadora da Piraporiando, projeto que tem como objetivo levar uma proposta de educação com foco na diversidade, Janine atuou como educadora durante 12 anos antes de tirar essa ideia do papel. Ela relata que a ideia surgiu após o lançamento do seu primeiro livro No Reino de Pirapora (2013) e que foi um divisor de água na sua vida enxergar o potencial do seu trabalho para além do que ela já desenvolvia.


“Decidi fundar a Piraporiando porque percebi que o que começou como um projeto pontual tinha potencial de crescer. Além disso eu trabalhava muito para que as atividades e o meu livro ganhassem espaço mas o retorno financeiro era quase nenhum, isso por que direitos autorais são baixos no que se refere a remuneração. Então pensei: faço todo trabalho, escrevo, divulgo, faço os projetos... Porque não assumir tudo de uma vez? E assim foi. Não foi fácil. Muita gente olhava (ainda olha) de 'nariz virado'. Afinal, que audácia escrever, publicar, distribuir e ainda fazer os projetos.”

A iniciativa de Janine foi eleita, em 2019, como uma da EdTechs de maior impacto no cenário da educação por instituições como a Fundação Saint Paul, Kroton, Ser Educacional, Adtalem e muitas outras. Além disso, a Piraporiando já foi reconhecida pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB).


Ao longo dos seus 5 anos de existência, o projeto se tornou uma referência para educadores e ativistas do movimento preto. Além disso, se tornou um local de geração de material com pautas antirracistas e à favor da diversidade, como os demais livros da própria Janine publicados pela Piraporiando.


“Hoje, trabalhando bem de perto com crianças negras e não negras, percebo que tudo valeu e ainda vale muito. É uma responsabilidade mas também muito gratificante cada depoimento de cada criança, cada família, cada professor, professora.”

Vamos falar sobre racismo?


Ilustração: Linoca Souza (@linocasouza)

É necessário mais do que escutar! Pesquisar, ler outros pontos de vista, entender as dores das pessoas pretas e entender, de uma vez por todas, que o racismo se faz presente diariamente na vida de cada criança, jovem, adulto e idosos pretos e pretas.


É fundamental sair do seu lugar de privilégio e enfrentar o medo e o tabu de entender mais sobre a estrutura opressora que rege a nossa sociedade. Descobrir novas histórias, seguir novas pessoas, ampliar sua visão de mundo. Dias como hoje, onde vemos a internet carregada de postagens que destacam a população preta devem servir para mais do que uma simples postagem no Instagram.


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Já pensou como a vida seria muito mais simples se a gente falasse mais sobre alguns tabus? Esse é um dos objetivos da categoria “Taburóloga”, que conta com textos quinzenais!

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