Crítica: "Solar Power" e o renascimento de uma Lorde hippie
Na última sexta-feira (20) os adolescentes deprimidos dos anos 2010 puderam ser agraciados com o mais novo álbum da Lorde: Solar Power. Sim, a neozelandesa sumida de Royals voltou com força total — mesmo que ainda sem querer muito contato com as redes sociais — e nos presenteou com um álbum completo e cheio de um conceito bem solar. Obviamente, a gente ouviu e vamos te contar o que achamos, quais referências pegamos e eleger as melhores do projeto.
Há muito tempo já eu quero fazer um texto sobre a Lorde porque ela abriu caminho para muita gente no indie pop alternativo e o que ela fez não foi pouca coisa. Não à toa, ela é referência para muitas das cantoras da nova geração do pop. Além de sua voz bem característica e de não ter medo de experimentar novos sons, Lorde é conhecida pelas suas composições. São sempre muito sinceras e tocam em feridas que a gente nunca achou que seria capaz de colocar em palavras — fora as críticas ao mundo das celebridades, claro.
Se você gosta da Lorde por isso, posso te adiantar que não deve ficar desapontada ao ouvir Solar Power. Assim como a estética musical do Melodrama não teve muito a ver com a do Pure Heroine, o novo álbum em termos sonoros é diferente de qualquer coisa que já ouvimos da neozelandesa. Se eu tivesse que definir o projeto eu diria que é uma mistura de festival solar, meio Woodstock, meio LollaPalooza, meio Acústico MTV anos 2000 com um pouco de David Bowie, George Michael e Nelly Furtado.
Deixando meu lado fã de lado — é difícil, viu? — eu preciso admitir que essa estética pode tornar o processo de ouvir o álbum meio cansativo. A vibe Midsommar é legal, mas, de fato, senti falta dos sintetizadores e das experiências de pós-produção. Eu não diria que isso é necessariamente um problema, mas pode ser uma quebra de expectativa para quem estava desde 2017 esperando um novo álbum tão poderoso e inovador quanto os anteriores.
Natureba? Por favor!
Solar Power traz toda uma vibe de guitarra acústica que, por si só, já nos remonta a um show na praia ou, até mesmo, às performances no terraço que ela vem liberando. E isso pode ser visto nos clipes e nas letras também. Ella disse em mais de uma entrevista sobre como esse álbum foi sua forma de se reconectar com a natureza e é fruto direto de sua viagem à Antártica em 2019.
“A única coisa para se contemplar (na Antártica) é que lá tem muita força crua. É tão aterrorizante quanto lindo. Você não se sente bem vindo pelo mundo natural — eu me senti uma intrusa”, disse ao The Guardian. Para ela, falar sobre a natureza foi “um processo de luto e também celebratório” e podemos ver isso mais claramente nas letras de Leader of a New Regime e Fallen Fruit. Quando perguntada pelo mesmo jornal sobre a última música, a cantora lembrou de Mark Rylance falando sobre como os artistas deveriam contar histórias de amor sobre o clima para abordar as mudanças climáticas e meio que assume que é sobre isso mesmo. Mas ela ressaltou que não é uma ativista do clima, mas uma estrela pop.
“Achei que era uma gênia, mas agora tenho 22 anos”
O álbum também está cheio de referências e respostas às composições anteriores de Ella. Na canção de amor The Man with the Axe, ela diz que “eu achei que era uma gênia, mas agora tenho 22 e parece que tudo o que sei fazer é vestir um terno e levá-lo embora”. Na faixa final Oceanic Feeling, ela conta que “agora o batom de cereja preto acumula poeira numa gaveta, eu não preciso mais dela (sua versão de Pure Heroine)”. Em California ela só quer dar adeus à vida hollywoodiana e voltar aos subúrbios de onde ela tanto queria fugir: “adeus a todas as garrafas, a todas as modelos, de volta às nuvens nos céus de uma maneira completamente nova”.
Em Stoned at the Nail Salon ela fala que “tenho uma lembrança de esperar na sua cama usando apenas meus brincos” e conversa com The Louvre (uma das minhas favoritas do Melodrama), onde conta que “metade do meu guarda-roupa está no chão de seu quarto”. E a mesma música ainda relembra Liability que termina com “vocês todos vão me ver desaparecer no sol” quando fala que “o sol precisa nascer” — eu ainda iria mais fundo dizendo que na faixa-título, Solar Power, quando diz para “esquecer todas as lágrimas que já chorou”.
Feliz, mas não tanto
Se algum artista fosse produzir músicas alegres depois da pandemia só poderia ser neozelandês. Eu sinto que The Path e Solar Power abrem o álbum como uma espécie de convite de boas-vindas a um projeto psicodélico que mistura anos 70 e anos 2000, de forma que te deixa otimista. Mas não se engane, a porrada vem. Em Secrets from a Girl (Who's Seen it All) é basicamente uma conversa da Ella de 22 anos com a Ella de 17 — correndo o risco de me expor mais do que preciso, essa foi uma das que mais senti como um soco no estômago. Ainda traz um monólogo de Robyn (Dancing On My Own) falando sobre como a tristeza é parte do processo e não o destino final.
Big Star fala de como é enfrentar o luto — Lorde perdeu seu cachorrinho Pearl e, se você está cadastrada na lista de e-mail da neozelandesa, sabe o impacto que isso teve. Mood Ring satiriza como as pessoas tentam lidar com dores de formas superficiais e empurrando tudo para debaixo do tapete — ou cuidando de “plantas e fofoca de celebridade” (ei, doeu, ok?).
Ainda temos Helen Of Troy e Hold No Grudge, que só estão disponíveis no vinil Deluxe ou na Music Box (por enquanto, né?) que conversam com essas temáticas. A primeira é outra espécie de conversa e troca de conselhos com sua versão mais nova (“quando você fumar aquele cigarro ou falar merda sobre um amigo antigo, eu sei que é difícil, mas dê o seu melhor e se dê uma pausa”) e a segunda questiona algum relacionamento que não deu certo, mas que ela não guarda rancor.
Acho que o álbum, de maneira geral, deixa essa lição de não tratar a tristeza como algo a ser evitado. "Eu não acho que é triste. Aquele sentimento de buscar, não ter certeza se escolhi o caminho certo e me sentir sozinha, eu não vejo isso como permanente ou mesmo como sentimentos ruins. É tudo parte de viver, sentir essa trepidação. Talvez seja triste, mas eu fico muito confortável em períodos de limbo ou em momentos em que me sinto com medo ou vulnerável", contou ao The Guardian. Tá na hora de aprender com a tia Ella.
Minhas top 5 favoritas do álbum (até o momento — sou geminiana):
Fallen Fruit
Helen Of Troy
Oceanic Feeling
Secrets from a Girl (Who's Seen it All)
Mood Ring
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Parabéns, querida Victoria Rohan. Beijos saudosos.