Crítica: mais que drama adolescente e empoderamento em “The Wilds”
Qualquer um que tenha visto o trailer de The Wilds, mais nova série da Amazon, com certeza pensou que seria uma versão do clássico Lost (2014) com um drama adolescente de The Society (2019) e Resgate do Voo 29 (2005). Afinal, o que mais poderia vir de uma série sobre um acidente de avião com garotas adolescentes tentando sobreviver em uma ilha deserta? Mas isso não chega nem perto de resumir tudo que The Wilds apresenta para nós. Com empoderamento e representatividade, a Amazon acertou em cheio ao mirar no millennial para essa nova produção. E hoje a gente fala o que achou da série por aqui no Telas.
Atenção! Essa crítica contém spoilers do primeiro episódio - mas não é nada que você não pudesse pegar pelo trailer.
Um quê de “Lost”, um quê de “The Society”
The Wilds mostra oito garotas que estão a caminho de um retiro feminino no Havaí para trabalhar o empoderamento e enfrentar problemas pessoais. Porém, o avião que levava as adolescentes cai e elas se veem sozinhas em uma ilha deserta. É aí que elas começam a ter que se organizar para sobreviver, além de lidar com os próprios traumas e demônios pessoais.
A narrativa traz três linhas de tempo (nada difícil que nem Dark, relaxa): a atual (após o resgate narrando a experiência), a do acidente (tentando sobreviver na ilha) e a pré-acidente (mostrando os traumas e dificuldades da vida adolescente). Com essa estrutura, conseguimos conhecer e entender bem cada uma das oito personagens principais presas na ilha. E, até mesmo, ter nossas favoritas - mas, como uma boa mãe, me reservo o direito de não falar qual é a minha.
Além disso, assim como em The Society, a temática da ausência de poder e como as jovens lidam com isso é muito bem trabalhada. Cada uma lida de um jeito diferente com a “liberdade” recém-adquirida e com organização forçada de uma espécie de nova sociedade para sobreviver. E, mini-spoiler, tem romance lésbico. Gays românticas, aproveitem!
Trama adolescente envolvente
No começo do primeiro episódio tudo indica que vamos ver algo como um "Lost teen". A queda do avião, a ilha como um elemento a ser desbravado, a luta por sobrevivência intercalada com o background das personagens adolescentes e um certo mistério por trás do acidente. Mas, como disse, a série vai muito além. O drama adolescente é, sim, parte essencial da trama e guia a narrativa, mostrando as dores e os problemas de cada uma das oito personagens na vida pré-acidente. O mais interessante, a meu ver, é que, além do roteiro ser muito bem trabalhado e atrair não só o público jovem, em nenhum momento as dificuldades de ser uma adolescente são subestimadas ou relativizadas. É difícil e ponto.
A ilha entra como um certo ritual de amadurecimento para cada uma das personagens enfrentar seus demônios e lados mais sombrios - e entender quem são e porquê são como são. The Wilds pode até começar com baboseiras e paixonites adolescentes, mas ultrapassa o básico e aborda temáticas importantes como sexualidade, pressão social, problemas familiares, distúrbios alimentares, abuso sexual e saúde mental. Tudo isso sem se tornar pesado para a audiência e, o melhor, com muito cuidado. E não vou nem entrar no mérito das reviravoltas (até para não dar spoilers) porque foi “eita” atrás de “eita” que, de fato, me pegou surpresa e desprevenida.
Feminista sem precisar gritar
Feminismo, empoderamento e sororidade são palavras chave em The Wilds. Até porque uma série cheia de garotas tentando sobreviver sozinhas já traz essas temáticas por si só. Um ponto positivo - que eu, particularmente, gosto muito - é que a produção é feminista sem precisar gritar “oi, eu sou feminista”. Além da diversidade do elenco (e, com ela, a representatividade), as personagens são muito diferentes entre si, com personalidades, histórias de vida e traumas variados. Isso faz com que o público consiga se identificar um pouco com cada uma - ou até mais a fundo. Fora a quantidade de mulheres em posições de poder com (muitas) ambições.
A temática de empoderamento feminino é, realmente, elevada. Mas, sem querer dar spoiler, tem um motivo que, aos poucos, é revelado para nós e não se torna cansativo. É interessante também como, em diversos momentos, as personagens têm embates e desavenças - como realmente acontece sob situações de estresse com pessoas que você mal conhece - e, mesmo assim, a sororidade e a empatia prevalecem. Porém, preciso admitir que acho um olhar um pouco romântico demais de que uma sociedade feminina e governada por mulheres seria tão empática e tão superior à atual assim. Margaret Tatcher que o diga.
Pontos em aberto
Se você não gosta de produções que deixem pontos em aberto, sugiro que vá ver The Wilds com a mente e o coração bem abertos. De fato, aos poucos vamos conseguindo mais respostas e muitos pontos começam a se conectar e fazer sentido. Mas é uma série para você criar teorias e questionar tudo - e todas - a todo momento. Apesar de gostar de pontos em aberto (até para exercitar a criatividade), admito que The Wilds exagerou nesse recurso. A temporada termina e muitas das personagens ainda não concluíram seu arco, alguns acontecimentos ficam em aberto e muitas (muitas mesmo) perguntas ficam sem respostas. Só nos resta torcer por uma segunda temporada para continuar essa história (incrível).
De maneira geral, eu gostei muito de The Wilds. Antes mesmo de terminar a temporada e de ter uma opinião completa formada eu já estava indicando para todo mundo que conheço. A trama é muito envolvente e cheia de reviravoltas (sério, eu quase gritei em alguns momentos de tão surpresa), mas sem ficar cansativo. Fora que ver um roteiro tão bem escrito por mulheres sobre mulheres nunca é demais, né?
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