Crítica: Com Maite Perroni, “Desejo Sombrio” é um ótimo thriller erótico
Desejo Sombrio (em espanhol, Oscuro Deseo) é a última novidade de um país que a Netflix vem apostando bastante, o México. Depois de séries como A Casa das Flores e Control Z, Desejo Sombrio vem para mostrar a evolução do audiovisual dos mexicanos em um projeto que mistura gêneros, como suspense, drama e romance.
Além disso, o thriller erótico, que estreou nesta quarta-feira (15), traz um elenco afiado e talentoso, encabeçado por Maite Perroni, conhecida no Brasil por novelas como Rebelde (2004) e Cuidado Com o Anjo (2008).
Aliás, pode eliminar esse imaginário de mocinha chorona das novelas da Televisa. Maite é responsável por dar vida a Alma Solares, uma mulher adulta, mãe de Zoe (Regina Pavón) e advogada premiada que se aventura em uma relação extramatrimonial com Darío Guerra (Alejandro Speitzer), após encontrar provas de estar sendo traída pelo marido, o juiz Leonardo Solares (Jorge Poza).
A situação sai do controle e se converte em obsessão, desejo e muitos segredos do passado vêm à tona após a morte da melhor amiga de Alma, Brenda (María Fernanda Yepes), logo no início da história. Tais enigmas são postos em investigação pelo cunhado de Alma, Esteban (Erik Hayser), um ex-policial e criminologista.
Ok, pode não ser a sinopse mais inovadora do mundo, mas não deixa de ser atraente e bem desenvolvida ao longo dos 18 episódios. É uma mistura de “You” com “50 Tons de Cinzas” e “365 DNI”, porém melhor que os dois últimos citados.
O sexo percorre toda trama e pode parecer exagerado ou incomodar alguém, mas está diretamente ligado a enredo principal criada por Leticia López Margallie e dirigida por Epigmenio Ibarra e Kenia Márquez. Apesar disso, é bem diferente de “365 DNI” que explora o tema a partir da submissão feminina e romantização da violência.
Pelo contrário, através do personagem de Alma, uma doutora em Direito especializada em feminicídio, a série questiona o machismo que percorre a sociedade. Inclusive, diálogos feministas acontecem no decorrer de algumas situações.
Quem matou? Nada é o que parece!
Usar o “quem matou” é um ótimo e batido artifício para prender o espectador, mas Desejo Sombrio apresenta algo a mais e não para por aí. Enquanto algumas questões vão sendo solucionadas ou parecem ser solucionadas, outras mentiras são colocadas em cena e mais uma reviravolta acontece. Ok, chega um ponto que você desiste de descobrir o assassino de Brenda porque cansa de desvendar tantos mistérios, mas uma pulguinha atrás da orelha levanta dúvidas: quem é vilão? Quem é mocinho?
A história é contada de maneira que brinca com a passagem temporal entre passado e presente, além de colocar em cheque a veracidade do que estamos vendo a partir do bordão “nada é o que parece”, que é dito algumas vezes. Em um momento da temporada, um personagem diz “eu não sei o que é verdade, não sei o que é mentira, não sei quem é o vilão do filme”. Pois é! Você também vai se sentir assim!
Essas dúvidas só podem ser tão verdadeiras devido aos personagens terem suas personalidades e seus dramas muito bem trabalhados e definidos desde o princípio. Você os conhece muito bem ou, melhor, acha que os conhece muito bem. Ao longo da série, você defende o algoz e enxerga a perversidade em quem nem imaginava. Não há a separação clássica entre mocinhos e vilões, o que é típico de novelas mexicanas.
Dinamismo e ótimas atuações
São muitas reviravoltas que podem cansar e confundir quem assiste, mas também não permite que ninguém diga que a série passa por algum momento de monotonia. É preciso ficar atento para não perder algum elemento novo colocado em cena para desvendar os segredos. Os capítulos curtos de 30 a 40 minutos também ajudam a manter o dinamismo.
Usar câmeras em plano detalhe foi outro artifício inteligente para deixar as sequências mais dinâmicas e provocar maior conexão com o público que está maratonando os episódios, principalmente nas cenas mais calientes. Isso ainda ajuda a manter o mistério no ar, que é potencializado trilha sonora e fotografia melancólicas. Inclusive, a sua estética não perde para nenhuma produção estadunidense.
E a ótima atuação dos atores também serve para manter o espectador com os olhos na tela. Maite Perroni, por exemplo, dá a dramaticidade necessária que as sequências pedem, seja em diálogos com a psicóloga ou até em silêncios, mostrando que soube aproveitar a melhor personagem que foi dada a sua carreira aos 37 anos de idade. Mesmo com rosto jovem, convence ao interpretar uma mulher de 45.
No elenco masculino, Erik Hayser se destaca ao dar vida a um personagem complexo, ambíguo e manco (até esse detalhe faz a diferença na construção de Esteban). Já Alejandro Speitzer também desenvolve bem o crush Darío, jovem que tira o fôlego de Alma e de boa parte de quem assistir a série também.
Pontos de reflexão
Dentre as similitudes entre o Brasil e o México está a violência de gênero. Estima-se que dez mulheres são vítimas de feminicídio no México diariamente. É esse ponto que a série toca durante as aulas de Alma ou durante as investigações da morte de Brenda. Em uma trecho, inclusive, a campanha #MeToo é relembrada.
A criadora é segura na construção dos personagens e a temática não é abordada de maneira forçada, apenas para ganhar espectadores. Mostra o quão enraizado o machismo está e como mata as mulheres um pouco a cada dia. É inteligente que a própria Alma se deixe enganar. Afinal, como uma especialista em feminicídio se vê enrolada em uma relação tóxica?
Além disso, a série ainda discute outros tópicos importantes, como as aparências de uma família perfeita, o prestígio social construído a partir da corrupção do judiciário, impunidade de crimes, a orientação sexual da jovem Zoe e, claro, o principal: até que ponto extremo o desejo e obsessão pode levar?
Vem segunda temporada por aí?
Apesar do vai e vem na narrativa para despistar os telespectadores sobre a morte de Brenda, a série fecha bem essa questão central, o que é ótimo para quem gosta de um início, meio e fim na narrativa. Poucas questões ficam em aberto, o que pode ter sido um erro de roteiro comum em thrillers ou assuntos que serão retomados na segunda temporada.
Sim, é isso mesmo que você leu. Desejo Sombrio deve ter uma segunda temporada! Um novo elemento surge nos últimos minutos e inaugura novas possibilidades que podem ser exploradas em uma segunda narrativa, ou seja, servir de pontapé para iniciar uma segunda etapa dessa história envolvente, contemporânea e com poucos erros. Além disso, o lançamento já apresenta retorno à Netflix, posicionando-se entre as séries mais assistidas em dezenas de países nesta última semana.
O final da primeira temporada mostra que a resposta sempre esteve presente e na frente de todos, mas as mentiras e devaneios a taparam. E quem sabe não existem novos desejos a descobrir e segredos a desvendar? Literal ou metaforicamente, a série fala de desejos que podem a passar a todos, sejam eles sombrios ou não.
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